- NOME COMPLETO: Getúlio Dornelles Vargas
- NASCIMENTO: 19 de abril de 1882; São Borja, São Pedro do Rio Grande do Sul, Império do Brasil
- FALECIMENTO: 24 de agosto de 1954 (72 anos); Palácio do Catete, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Brasil
- FAMÍLIA: Cândida Francisca Dornelles (Mãe), Manuel do Nascimento Vargas (Pai), Darcy Sarmanho (Esposa de 1911–1954), Lutero Vargas (Filho mais Velho), Jandira (Filha), Alzira Vargas (Filha), Manuel Vargas (Filho), Getúlio Filho (Filho)
- APELIDOS: Gegê, O Pai dos Pobres
- OCUPAÇÃO: Militar, Advogado e Político
- LEALDADE: Brasil
- SERVIÇO: Exército Brasileiro
- ANOS DE SERVIÇO: 1898 a 1903
- GRADUAÇÃO: 2º SGT. (Segundo Sargento)
- UNIDADE: 6º Batalhão de Infantaria & 25º Batalhão de Infantaria
- PERÍODO COMO DEPUTADO ESTADUAL: 20 de setembro de 1909 a 6 de outubro de 1913
- PERÍODO COMO DEPUTADO ESTADUAL: 20 de setembro de 1917 a 26 de maio de 1923
Certo é que o deputado estadual, sr. Getúlio Vargas, prestou valioso apoio ao Barão do Rio Branco quando pronunciou o discurso de 9 de outubro de 1909 em prol do Tratado Brasil-Uruguai, para modificar suas fronteiras, e do qual resultou a concessão feita, espontaneamente por nosso país, à República Oriental, do condomínio da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão, estabelecendo princípios gerais para o comércio e navegação nestas paragens.
—José Roberto de Macedo Soares
Quando se preparava para combater a favor do governo do Estado do Rio Grande do Sul na revolução de 1923, no interior do estado, foi chamado para concorrer a uma cadeira de deputado federal, pelo Partido Republicano Riograndense (PRR), na vaga aberta pelo falecimento do deputado federal gaúcho Rafael Cabeda. Eleito, tornou-se líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro. Completou o mandato de Rafael Cabeda em 1923, e foi eleito deputado federal na legislatura de 1924 a 1926, sendo líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados neste período. Em 1924, apoiou o envio de tropas gaúchas ao Estado de São Paulo, em apoio ao governo de Artur Bernardes contra a Revolta Paulista de 1924, e, em um discurso na Câmara dos Deputados, criticou os revoltosos, alegando que: "Já passou a época dos motins de quartéis e das empreitadas caudilhescas, venham de onde vierem!". Porém, coube a Getúlio, em 1930, conceder anistia a todos os envolvidos em movimentos revolucionários da década de 1920.
- PERÍODO COMO MINISTRO DA FAZENDA: 15 de novembro de 1926 a 17 de dezembro de 1927
- PRESIDENTE: Washington Luís
- ANTECESSOR(A): Aníbal Freire da Fonseca
- SUCESSOR(A): Oliveira Botelho
Assumiu o ministério da Fazenda em 15 de novembro de 1926, permanecendo ministro da fazenda até 17 de dezembro de 1927, durante o Governo Washington Luís, implantando neste período a reforma monetária e cambial do presidente da república, através do "decreto nº 5 108", de 18 de dezembro de 1926. Washington Luís escolhera líderes de bancadas estaduais para serem seus ministros.
Em dezembro de 1926, foi criado o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União. Deixou o cargo de ministro da fazenda, em 17 de dezembro de 1927, para candidatar-se às eleições para presidente do Rio Grande do Sul, sendo eleito, em dezembro de 1927, para o mandato de 25 de janeiro de 1928 a 25 de janeiro de 1933, tendo como seu vice-presidente João Neves da Fontoura.
Quando Getúlio deixou o ministério, o presidente Washington Luís proferiu um longo discurso, elogiando a competência e dedicação ao trabalho de Getúlio Vargas, no qual dizia: "A honestidade de vossos propósitos, a probidade de vossa conduta, a retidão de vossos desígnios, fazem esperar que, de vossa parte e de vosso governo, o Rio Grande do Sul continuará a prosperar, moral, intelectual e materialmente".
Sua eleição para presidente do Rio Grande do Sul encerrou os longos trinta anos de governo de Borges de Medeiros no Rio Grande do Sul. Tendo assumido o governo gaúcho em 25 de janeiro de 1928, exercendo, porém, o mandato somente até 9 de outubro de 1930. Glauco Carneiro, no livro Lusardo, o Último Caudilho, avalia assim o fim da "Era Borges de Medeiros" e a vitória de Getúlio, como candidato da conciliação entre PRR e Partido Libertador: "Elegia-se, Getúlio Vargas, como candidato da 'conciliação', presidente do Rio Grande do Sul. Em 25 de janeiro de 1928, ao completar trinta anos de domínio do sistema governamental gaúcho, Borges de Medeiros passava o cargo e encerrava sua carreira de ditador da política republicana". E neste livro Lusardo, o Último Caudilho, volume I, João Batista Luzardo assim descreve o governo de Getúlio no Rio Grande do Sul:
Quando assumiu a presidência do Estado (Getúlio) botou todo o pessoal da administração, da polícia, tudo para fora, porque – só para dar um exemplo – polícia aqui só dava bandido. Os capangas do Flores (da Cunha), os mais inocentes, tinham duas mortes nas costas. ... Bem, o finado Getúlio botou todos para fora, e empregou gente, sem se importar se era blanco (PRR) ou colorado (Partido Libertador), desde que fosse competente. Foi aí que o povo obteve mais liberdade sem distinção de partido. Aí os coronéis blancos desapareceram, quem não foi preso morreu de desgosto, e o banditismo que reinava foi desaparecendo, mas a situação foi se apaziguar mesmo em 1930, quando os dois partidos se juntaram para marchar contra o governo federal.
— Batista Luzardo
Durante este mandato, quando se candidatou à presidência da República, Getúlio iniciou um forte movimento de oposição ao governo federal, exigindo o fim da corrupção eleitoral, a adoção do voto secreto e do voto feminino. Getúlio, porém, manteve bom relacionamento com o presidente Washington Luís, obtendo verbas federais para o Rio Grande do Sul e a autorização para melhoramentos no porto de Pelotas. Criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e apoiou a criação da VARIG (Viação Aérea Riograndense). Respeitou também a vitória da oposição gaúcha, o Partido Libertador, em vários municípios do estado.
O seu governo no Rio Grande do Sul foi elogiado por Assis Chateaubriand, o principal jornalista da época, da revista O Cruzeiro, que afirmou que seu governo era um governo de estadista, despertando a atenção do país. Quando presidente do estado, continuou a se destacar como conciliador, conseguindo unir os partidos políticos do Rio Grande do Sul, o PRR e o Partido Libertador, antes fortemente divididos. Getúlio foi candidato único a presidente do Rio Grande do Sul, tendo sido apoiado pelo PRR e pelo Partido Libertador.
GOVERNO PROVISÓRIO (1930 - 1934)
A eleição para a presidência da república foi realizada no dia 1 de março de 1930, vencida por Júlio Prestes, com 1.091.709 votos contra 742.797 dados a Getúlio. Além de Getúlio Vargas e Júlio Prestes, o Bloco Operário e Camponês, concorreu também o operário Minervino de Oliveira, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), que obteve pequena votação. O pleito, como era praxe durante a chamada "República Velha", foi alvo de acusações de fraudes de ambos os lados. A Aliança Liberal, coligação entre os partidos PRM, PL e PRR, acusou o pleito de fraude. Borges de Medeiros reconheceu a vitória de Júlio Prestes, alegando que fraude houve de ambos os lados: "Fraude houve de norte a sul, inclusive aqui mesmo". Getúlio obteve 90% dos votos do Rio Grande do Sul. O assassinato de João Pessoa, que era governador da Paraíba e um líder da facção da Aliança Liberal (dissolvida após a derrota eleitoral de seus candidatos nas eleições presidenciais), ele foi um dos fatores que contribuíram para a crescente instabilidade política do país na época, não sendo o único ou o principal motivo da Revolução de 1930.
Vargas chegou ao poder através de um golpe de Estado, que depôs o presidente Washington Luís e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes. Ele se tornou chefe do governo provisório e, em seguida, presidente constitucional em 1934. Durante o seu governo, Vargas implementou uma série de medidas que visavam modernizar o país e fortalecer o Estado centralizado. Entre essas medidas, destacam-se a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, e do Ministério da Educação e Saúde, em 1931. Além disso, Vargas nomeou interventores federais para governar os estados, que passaram a perder grande parte da sua autonomia política em relação ao governo federal. No entanto, a caracterização de Vargas como um ditador com poderes quase ilimitados é simplificada e não leva em conta a complexidade da política brasileira na época. Vargas teve que lidar com oposições internas e externas, com movimentos sociais e com crises econômicas e políticas ao longo do seu governo, que durou até 1945.
Em 1930 no meio de uma crise econômica e política que afetou principalmente as regiões produtoras de café. Para tentar estabilizar o preço do café, que havia caído drasticamente no mercado internacional, Vargas manteve a Política de Valorização do Café (PVC), que havia sido implementada pelo governo anterior. Além disso, Vargas criou o Conselho Nacional do Café em 1931, com o objetivo de planejar a produção, controlar a qualidade e incentivar o consumo do café. Em 1938, foi criado o Instituto do Cacau, com funções semelhantes em relação ao cacau. Embora essas medidas tenham sido importantes para o setor cafeeiro e para a economia do país como um todo, elas não foram adotadas apenas para atender às demandas das oligarquias cafeeiras. Vargas tinha uma visão nacionalista e desenvolvimentista para o país, que incluía a modernização da agricultura e a diversificação da economia.
Getúlio Vargas também é creditado, nesta época, pela Lei da Sindicalização, que vinculava os sindicatos brasileiros indiretamente — por meio da câmara dos deputados — ao Presidente.
Durante o período em que esteve no poder, Vargas buscou estabelecer uma relação direta com a população, através de uma política populista que valorizava a figura do líder carismático e buscava atender às demandas dos trabalhadores e das camadas mais pobres da sociedade. Nesse contexto, foram criadas diversas leis e instituições voltadas para a proteção dos direitos trabalhistas, como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Conselho Nacional do Trabalho e a Justiça do Trabalho. A CLT, porém, foi a principal realização de Vargas nesse campo. Aprovada em 1943, ela unificou a legislação trabalhista existente e estabeleceu novas normas e direitos para os trabalhadores, como a jornada de trabalho de 8 horas diárias, o descanso semanal remunerado, o salário mínimo, o direito à sindicalização e à greve, entre outros. Em resumo, a política populista de Vargas e as mudanças na legislação trabalhista durante o período tiveram um impacto significativo na história social e política do Brasil, e suas consequências ainda são sentidas até hoje.
REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932
Em 1931, Getúlio Vargas derruba a Constituição brasileira, reunindo enormes poderes no Brasil. Isso despertou a indignação dos opositores, principalmente as oligarquias cafeeiras e a classe média paulista, que estavam desgostosos com o governo getulista. A perda de autonomia estadual, com a nomeação de interventores, desagradou ainda mais. Por mais que Getúlio tenha percebido o erro e tentado nomear um interventor oligarca paulista, estes já arquitetavam uma revolta armada, a fim de defender a criação de uma nova Constituição.
Quando quatro jovens estudantes paulistanos (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) são assassinados no dia 23 de maio de 1932, diversos setores da sociedade paulista se mobilizam com o evento, e toda a sociedade passa a apoiar a causa constitucional. No dia 9 de julho do mesmo ano, a Revolução Constitucionalista de 1932, explode pelo estado. Os paulistas contavam com apoio de tropas de diversos estados, como Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul, mas Getúlio Vargas foi mais rápido e conseguiu reter esta aliança, isolando São Paulo. Sem qualquer apoio, os flancos paulistas ficaram vulneráveis, e o plano de rápida conquista do Rio de Janeiro transformou-se em uma tentativa desesperada de defender o território estadual.
Os paulistas, chefiados por Isidoro Dias Lopes, permaneceram isolados, sem adesão das demais unidades da federação, excetuando um pequeno contingente militar vindo do Mato Grosso, sob o comando do general Bertoldo Klinger. É importante destacar que o movimento teve o apoio de amplos setores da sociedade paulista, incluindo trabalhadores, estudantes e intelectuais. O Partido Republicano Paulista PRP exerceu um papel importante na organização do movimento. A revolta era contra o governo de Vargas, que era visto como uma ameaça à autonomia estadual e à democracia.
De acordo com o historiador Boris Fausto, em seu livro "História do Brasil", Vargas enfrentou resistência dos militares ao lidar com a Revolução Constitucionalista, mas conseguiu contê-la com a ajuda de tropas leais e da Força Pública de São Paulo. Fausto destaca que a repressão ao movimento rebelde gerou grande comoção popular, mas Vargas se consolidou politicamente como líder do país. Outros autores, como Maria Helena Capelato em "São Paulo e a Federação, 1891-1937", apontam que a relação entre Vargas e os tenentes foi complexa e não se resumiu a uma ruptura unilateral do presidente com o grupo. Capelato destaca que alguns tenentes apoiaram a repressão à Revolução de 1932 e que Vargas, por sua vez, buscou se aproximar de setores militares que eram críticos aos tenentes.
Sem saída, o estado se rende em 28 de Setembro.
Mesmo com a vitória militar, Getúlio Vargas atende alguns pedidos dos republicanos e aprova a Constituição de 1934.
O GOVERNO CONSTITUCIONALISTA (1934–1937)
Em 18 de novembro de 1933 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito de Portugal. Ainda no mesmo ano, ele fez a auditoria da dívida externa brasileira, que foi mais tarde acordada em 1943 com os credores uma redução dela em 60%.
Getúlio Vargas convoca a Assembleia em 1933, que, em 16 de julho de 1934, promulga a nova Constituição, trazendo novidades como o voto secreto, o ensino primário obrigatório, o voto feminino e diversas leis trabalhistas. O voto secreto significou o fim do voto aberto preponderante na República Velha, quando os coronéis tinham a oportunidade de controlar os votos. A nova Constituição estabeleceu também que, após sua promulgação, o primeiro presidente seria eleito de forma indireta pelos membros da Assembleia Constituinte. No dia seguinte à promulgação, foi realizada a eleição presidencial, na qual Vargas saiu vitorioso.
Nessa mesma época, duas vertentes políticas começaram a influenciar a sociedade brasileira. De um lado, a direita fundava a Ação Integralista Brasileira (AIB), defensores de um Estado corporativista, inspirado no fascismo. Do outro, crescia a força de esquerda da Aliança Nacional Libertadora (ANL), patrocinada pelo regime comunista da União Soviética.
Estes movimentos políticos possuíam caráter nacional, diferentemente dos partidos dominantes durante a República Velha, que geralmente representavam o seu estado (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro…). Essa tendência persiste até hoje. Em 27 de novembro de 1937 foi realizada a queima das bandeiras estaduais por Getúlio Vargas como um símbolo contra o sentimento regionalista do país.
Intentona Comunista e Plano Cohen (1935–1936)
Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt no Rio de Janeiro, em 1936Getúlio Vargas e o alto comando das Forças Armadas sempre se mostraram contra o comunismo, e usaram este pretexto para o seu maior sucesso político — o golpe de 1937. O PCB, que surgiu em 1922, havia criado a Aliança Nacional Libertadora, mas Getúlio Vargas a declarou ilegal, e a fechou. Assim, em 1935, a ANL (com o apoio da Internacional Comunista Comintern) montou a Intentona Comunista, uma revolta contra Getúlio Vargas, mas que este facilmente conteve. Em 1937, os integralistas forjaram o "Plano Cohen", sobre o qual se dizia que os comunistas planejavam uma revolução maior e melhor arquitetada do que a de 1935, e teria o amplo apoio do Partido Comunista da União Soviética. Os militares e boa parte da classe média brasileira, assim, apoiaram a ideia de um governo mais fortalecido para afastar a ideia da imposição de um governo comunista no Brasil. Com o apoio militar e popular, Getúlio Vargas derruba a Constituição de 1934 e declara o Estado Novo.
ESTADO NOVO (1937–1945)
Propaganda do Estado Novo, mostrando Getúlio Vargas ao lado de crianças, símbolos do futuro do Brasil.A constituição de 1937, que criou o "Estado Novo" getulista, tinha caráter centralizador e autoritário. Ela suprimiu a liberdade partidária, a independência entre os três poderes e o próprio federalismo existente no país. Vargas fechou o Congresso Nacional e criou o Tribunal de Segurança Nacional. Os prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores e esses, por sua vez, pelo presidente. Foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), com o intuito de projetar Getúlio Vargas como o "Pai dos Pobres" e o "Salvador da Pátria". O governo iniciou uma expansão econômica para os territórios indígenas guarani-Kaiowás, os confinando em reservas indígenas.
A 6 de agosto de 1941 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis de Portugal.
Durante a Segunda Guerra Mundial, ao longo do ano de 1942, as marinhas da Alemanha Nazista e Itália Fascista estenderam a guerra submarina às águas do Atlântico Sul, atacando os navios de bandeiras de todos os países que haviam ratificado o compromisso da Carta do Atlântico, compromisso esse que era de se alinhar automaticamente com qualquer país do continente americano que viesse a ser atacado por um país de fora do continente. Isto implicou o alinhamento com os Estados Unidos, desde que estes foram atacados pelos japoneses em Pearl Harbor. Dias depois tiveram declarações de guerra enviada a eles pela Alemanha e Itália. A espionagem nazista no Brasil, baseada em São Paulo, foi intensa durante o conflito.
Vários navios mercantes brasileiros foram afundados no Atlântico em 1942, por submarinos alemães, não apenas no Atlântico Sul. Devido ao alarde dos casos pela imprensa, a população brasileira saiu às ruas para exigir que o governo, frente à agressão, reagisse com a declaração de guerra.
Os Estados Unidos tinham planos para invadir o nordeste (o Plan Rubber), caso o governo Vargas insistisse em manter o Brasil neutro. Mesmo com a atitude passiva do ponto de vista diplomático, com o governo brasileiro ainda se mantendo oficialmente na neutralidade, o estado de guerra se mostrou irreversível quando, a partir de maio daquele ano, aviões da FAB passaram a atacar qualquer submarino alemão e italiano que fosse avistado.
Apenas entre os dias 15 e 21 de agosto de 1942, cinco navios brasileiros — Baependi, Aníbal Benévolo, Araraquara, Itagipe e Arará foram torpedeados na costa nordestina (Sergipe e Bahia). No final daquele mês, o Brasil se uniu formalmente aos aliados, declarando guerra à Alemanha e Itália.
Sobre a avaliação de seu governo de 1930 a 1945, Getúlio declarou, em entrevista coletiva à imprensa do Rio de Janeiro, em 4 de dezembro de 1946: "Após o 29 de outubro, (dia em que foi deposto), retirei-me para uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Não me apresentei candidato a qualquer cargo eletivo…. Por um movimento espontâneo do povo, recebi cerca de um milhão e meio de votos em todo o Brasil".
E sobre ser julgado pela história e por seus contemporâneos, disse, em um discurso pronunciado no Senado Federal, em 13 de dezembro de 1946: "A poucos homens é dada a suprema ventura de um julgamento da opinião pública contemporânea. Quase todos apelam para a ‘Justiça de Deus na voz da História’. A mim foi concedida essa mercê com o sufrágio de 1 300 000 brasileiros que me outorgaram o mandato de senador por dois estados e de deputado pelo Distrito Federal e mais seis estados".
Getúlio também participou, em 1945, da criação do PSD, Partido Social Democrático formado basicamente pelos ex-interventores estaduais do Estado Novo. Getúlio chegou a ser eleito presidente do PSD, mas passou o cargo a Benedito Valadares. Getúlio participou muito pouco da Constituinte e foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946. Getúlio fez um único discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 31 de agosto de 1946.
Assumiu o cargo no Senado como representante gaúcho, e exerceu o mandato de senador durante o período 1946–1947, quando proferiu cinco discursos relatando as realizações do Estado Novo e da Revolução de 1930 e criticando o governo Dutra. O último discurso no Senado Federal foi em 3 de julho de 1947. Além dos discursos no Senado Federal, antes de se recolher a São Borja em 1947, Getúlio participou de comícios em 10 capitais brasileiras defendendo os ideais e o programa do PTB e pedindo votos para candidatos, apoiados pelo PTB, nas eleições de 1947.
Getúlio Vargas deixou o Senado Federal em 1947 e retornou à sua cidade natal, São Borja, onde possuía duas propriedades rurais: as estâncias Itu e Santos Reis. De fato, ele recebeu muitos pedidos para retornar à vida política e foi assediado por diversos políticos, incluindo Ademar de Barros e Hugo Borghi. Também foi decisiva para sua volta à política, a amizade feita com o jornalista Samuel Wainer.
Em agosto de 1950, em um suplemento especial da Revista do Globo, com a republicação de suas reportagens biográficas sobre Getúlio que tiveram grande repercussão, abaixo de uma foto de Getúlio montando um cavalo, foi colocada uma frase de João Neves da Fontoura tirada de uma expressão popular muito conhecida, a propósito da possível candidatura de Getúlio em 1950: "Se o cavalo passar encilhado ele monta!".
CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 1950
Getúlio acabou aceitando voltar à política, resumindo assim sua campanha eleitoral, em Parnaíba: "Recebi de vós, como de tantos outros pontos distantes do país, apelos para lançar-me nesta campanha que mobiliza o povo brasileiro na defesa dos direitos à liberdade e a vida!" O slogan do PTB, que antecedeu à campanha eleitoral, foi o seguinte: "Ele voltará!".
Uma reportagem de O Globo assim descreve as lembranças da campanha eleitoral de 1950, guardadas por Alzira Vargas: "Ele vai voltaráǃ". A frase, uma espécie de legenda para a fotografia de um Getúlio sorridente, está impressa em caixinhas de fósforo, cigarreiras, porta-níqueis, chaveiros, panfletos, cartazes, lenços de seda e até mesmo em bolsinhas femininas.
A candidatura de Getúlio foi lançada no dia 19 de abril, dia de seu aniversário, depois da candidatura de Eduardo Gomes da UDN. Getúlio disse naquela data: "Se o meu sacrifício for para o bem do Brasil, levai-vos convosco!" Em uma proclamação em Porto Alegre, em 9 de agosto de 1950, Getúlio declarou que só levou adiante sua candidatura à presidência da República quando ficou claro que não seria possível uma candidatura única de conciliação nacional:
Quando a minha candidatura à presidência da República foi lançada pelo governador Ademar de Barros e pelo Diretório do Partido Trabalhista Brasileiro, dirigi ao senador Salgado Filho uma carta-manifesto, declarando-me pronto a renunciar em benefício de uma conciliação geral da política brasileira. Minha proposta não foi atendida e fui forçado a aceitar a minha candidatura, por imposição popular.
— Getúlio Vargas.
No discurso que pronunciou, em 16 de junho, pelo rádio, de São Borja, à convenção do PTB, seu partido político que o lançava candidato à presidência, destacou sua principal virtude: a conciliação: "Se vencer, governarei sem ódios, prevenções ou reservas, sentimentos que nunca influíram nas minhas decisões, promovendo sinceramente a conciliação entre os nossos compatriotas e estimulando a cooperação entre todas as forças da opinião pública".
A candidatura de Getúlio foi alvo de diversos processos no Tribunal Superior Eleitoral com advogados defendendo que o registro fosse cancelado. Alegou-se que Getúlio não cumpriu duas constituições, a 1891 e a 1934 e portanto deveria estar sendo julgado criminalmente como um criminoso político. Alegou-se ainda que o Partido Comunista tivera o seu registro cassado em 1947 pelo Tribunal Superior Eleitoral por ser contrário ao regime democrático. Porém ao analisar o registro, o Tribunal desconheceu as questões preliminarmente, considerando-as ilegítimas, já que uma impugnação só poderia ser feita por outro candidato ou por delegado de partido político, não cabendo, no caso, uma ação popular. E, em 19 de agosto, a candidatura foi registrada.
Então, já com 68 anos, percorreu todas as regiões do Brasil, em campanha eleitoral, pronunciando, de 9 de agosto a 30 de setembro, em 77 cidades, discursos, nos quais relembrava suas obras nas regiões em que discursava. O primeiro discurso foi em Porto Alegre e o último de São Borja. Prometendo, em 12 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, que o povo subiria com ele as escadarias do Palácio do Catete: "Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse, o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo!".
Sobre ser acusado de "Pai dos Ricos", Getúlio disse, em discurso de 27 de agosto de 1950, em Recife:
Os meus adversários continuam a atirar-me, ao mesmo tempo, a pecha de "Pai dos Pobres" e "Pai dos Ricos". Como homem público, entretanto, nunca fui faccioso ou extremado. Antes de mais nada procurei agir com justiça e realizar o bem comum. Ricos e pobres são igualmente brasileiros. Se aos primeiros, muitos dos quais estiveram à beira da insolvência que agravaria a situação das classes desfavorecidas e dos assalariados, abri oportunidades de reerguimento e facilitei o crédito, consolidando as bases da agricultura e da indústria, também não desamparei os trabalhadores. Defendi-os contra a ganância dos exploradores, e rompendo resistências que se levantaram à minha ação, iniciei, com firmeza e segurança, a legislação trabalhista no Brasil.
— Getúlio Vargas
Uma síntese das dificuldades que Getúlio enfrentaria como candidato e como presidente é dada pela frase do escritor, político e jornalista Carlos Lacerda. Em um editorial intitulado "Advertência oportuna", publicado no jornal Tribuna da Imprensa em 1 de junho de 1950, afirmou, a respeito de Getúlio: "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar". Esta frase de Carlos Lacerda expressava, exatamente, a mesma visão que, em 1930, a Aliança Liberal tivera quanto à candidatura e posterior vitória eleitoral do paulista Júlio Prestes, o "Seu Julinho". Segundo Carlos Lacerda, as ações de Vargas como ditador não poderiam ser esquecidas: "O Getúlio era absolutamente incompatível com um regime democrático"
Carlos Lacerda retomou a frase de Artur Bernardes no seu discurso de posse no Senado Federal, em 25 de maio de 1927, em que relembrava sua eleição presidencial de 1922: "Não estará ainda na memória de todos o que fora a penúltima campanha presidencial? Nela se afirmava que o candidato não seria eleito; eleito não seria reconhecido, não tomaria posse, não transporia os umbrais do Palácio do Catete". E sobre este eterno drama das campanhas presidenciais, Getúlio tinha a frase: "No Brasil não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!".
A ELEIÇÃO DE 1950
Getúlio foi eleito presidente da República, como candidato do PTB, em 3 de outubro de 1950, derrotando a UDN, que tinha como candidato novamente Eduardo Gomes, e o Partido Social Democrático, que tinha como candidato, o mineiro Cristiano Machado. Muitos membros do PSD abandonaram o candidato Cristiano Machado e apoiaram Getúlio. Desse episódio é que surgiu a expressão "cristianizar um candidato", que significa que um candidato foi abandonado pelo próprio partido político, como relata o jornalista Carmo Chagas em Política Arte de Minas.
A data das eleições: 3 de outubro, era uma homenagem à data do início da Revolução de 1930. Fundamental para sua eleição foi o apoio do governador de São Paulo, Ademar Pereira de Barros, que tinha sido nomeado por Getúlio, durante o Estado Novo, em 1938, interventor federal em São Paulo. Em 1941 Ademar foi exonerado, por Getúlio, do cargo de interventor. Assim a aliança com Ademar, batizada de "Frente Populista", foi mais um ato de reconciliação praticado por Getúlio.
Ademar transferiu a Getúlio Vargas um milhão de votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio. Ademar esperava que, em troca desse apoio em 1950, Getúlio o apoiasse nas eleições de 1955 para a presidência da república. O resultado final deu a Getúlio, 3.849.040 votos contra 2.342.384 votos dados ao Brigadeiro Eduardo Gomes e 1 697 193 votos dados a Cristiano Machado. João Batista Luzardo garantiu, em agosto de 1978, que foi Dutra que garantiu a posse de Getúlio, não permitindo que nenhuma conspiração militar fosse adiante.
O emissário de Dutra fora enviado à Estância São Pedro, de propriedade de Batista Luzardo, porque fora nesta estância que Getúlio se hospedara, depois de vencer as eleições de 3 de outubro de 1950, e assim descreveu a concorrida estadia de Getúlio na Estância São Pedro, a Revista do Globo, edição de 25 de novembro de 1950, na reportagem "O Descanso de Vencedor":
Descanso em termos, porque, num só domingo, o próximo presidente da República recebeu exatamente 400 pessoas, das quais 160 vindas do Rio e 96 de São Paulo. Na Fazenda (Estância) São Pedro, Uruguaiana, o presidente eleito tem uma planície para galopar, um rio para navegar e uma torre onde pensar no melhor destino para 50 milhões de brasileiros. Mas só por uma enorme capacidade de recolhimento pode descansar enquanto atende os centenares de pessoas que diariamente cobrem todas as distâncias aéreas, marítimas, fluviais, terrestres e políticas que as separam de Getúlio Vargas.
— Revista do Globo, 25/11/1950
GOVERNO ELEITO (1951 - 1954)
A volta de Getúlio foi saudada por muitos, inclusive na música popular brasileira, na voz de Francisco de Morais Alves, intérprete da marchinha Retrato do Velho:
Bota o retrato do velho outra vez,
Bota no mesmo lugar,
o sorriso do velhinho,
faz a gente trabalhar.
— Haroldo Lobo e Marino Pinto-1951
Tancredo Neves, que foi seu ministro da Justiça, disse, no livro Tancredo Fala de Getúlio, que, em seu segundo governo, Getúlio "tinha a preocupação de se libertar do ditador", e que disse a Tancredo: "Fui ditador porque as contingências do país me levaram à ditadura, mas quero ser um presidente constitucional dentro dos parâmetros fixados pela Constituição".
UMA ADMINISTRAÇÃO POLÊMICA
Getúlio tomou posse na presidência da república em 31 de janeiro de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo ao presidente Eurico Gaspar Dutra. O seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956. O ministério foi modificado duas vezes. Getúlio trouxe para o ministério antigos aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou: Góis Monteiro (Estado Maior das Forças Armadas), Osvaldo Aranha, na Fazenda, João Neves da Fontoura e Vicente Rao, ambos nas Relações Exteriores, e ainda, Juracy Magalhães como o primeiro presidente da Petrobras e Batista Luzardo como embaixador na Argentina. O ex-tenente de 1930, Newton Estillac Leal, foi ministro da Guerra até 1953. Reconciliou-se também com José Américo de Almeida, que, na época, governava a Paraíba e que se licenciou do cargo de governador para ser ministro da Viação e Obras Públicas a partir de junho de 1953.
Luís Vergara, secretário particular de Getúlio, de 1928-1945, na citada obra Eu fui secretário de Getúlio, conta que Getúlio chamou o ministério empossado em 1951, de "ministério de experiência", o que causou mal-estar entre os ministros. Vergara diz que "conhecendo-se o hábito de Getúlio de só falar o mínimo e o justo, a sua precaução em não exceder os limites do oportuno e do indispensável, o 'cochilo' revelava um enfraquecimento nos controles de auto vigilância e da contenção da linguagem", a que Vergara atribui a um começo de envelhecimento e ao esgotamento com "quinze anos ininterruptos em atividade governamental, preocupações multiplicadas, trabalho incessante, crises políticas, acidentes pessoais e em pessoas da família".
Tancredo Neves contou também, em Tancredo Fala de Getúlio, que a reconciliação de Getúlio com o ex-governador de Minas Gerais Benedito Valadares se deu por intermédio dele, Tancredo.
Getúlio teve um governo tumultuado devido a medidas administrativas que tomou e devido às acusações de corrupção que atingiram seu governo. Um polêmico reajuste do salário mínimo, em 100%, ocasionou, em fevereiro de 1954, um protesto público, em forma de manifesto à nação, dos militares, (um dos quais foi Golbery do Couto e Silva), contra o governo, seguido da demissão do ministro do trabalho João Goulart.
Este Manifesto dos Coronéis, também dito Memorial dos Coronéis, foi assinado por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930. Este Manifesto dos Coronéis significou uma redução do apoio ao governo Getúlio, na área militar, e, também, na área trabalhista, por conta da demissão de João Goulart.
Todos nós, que tínhamos acesso ao palácio, constatamos porém que, após essa última crise política, uma sensível modificação se operava no comportamento de Getúlio Vargas. O homem alegre e comunicativo de antes havia se transformado num misantropo. A imagem, que passara a refletir, era de um solitário amargurado, abismado na sua misantropia sem confidentes, e que, com as mãos cruzadas nas costas - postura que lhe era característica -, vagava pelos salões do palácio, num típico alheamento de sonâmbulo. Entre os amigos, esta pergunta era obrigatória: "Que há com o presidente?"
— Juscelino Kubitschek, sobre as consequências do "Manifesto dos Coronéis".
Foram também polêmicos os seguintes atos do segundo governo Getúlio:
- A lei nº 1 521, de 26 de dezembro de 1951, sobre crimes contra a economia popular, ainda em vigor;
- A lei nº 1 522, de 26 de dezembro de 1951, que autoriza o governo federal a intervir no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Esta lei foi substituída pela lei delegada nº 4, em 26 de setembro de 1962;
- O decreto nº 30 363, de 3 de janeiro de 1952, que dispôs sobre o retorno de capital estrangeiro, limitando-o a 8% do total dos lucros de empresas estrangeiras para o país de origem, revogado em 1991;
- O decreto nº 31 546, de 6 de outubro de 1952, regulamentou o trabalho do menor aprendiz e vigorou até 2005;
- A lei nº 1 802, de 5 de janeiro de 1953, que definia os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, e que revogava a Lei de Segurança Nacional de 1935. A lei 1 802 vigorou até 1967 quando foi substituída por outra Lei de Segurança Nacional;
- A lei n° 2 004, de 3 de outubro de 1953, sobre o monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997;
- A lei nº 2 083, de 12 de novembro de 1953, sobre a liberdade de imprensa que vigorou até 1967;
- A Instrução Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) nº 70, de 1953, que criou o câmbio múltiplo e os leilões cambiais.
- Em 20 de junho de 1952, pela lei nº 1 628, o BNDE, atual BNDES;
- Em 19 de julho de 1952, pela lei nº 1 649, o Banco do Nordeste;
- Pela lei nº 1 779, de 22 de dezembro de 1952, o Instituto Brasileiro do Café (IBC), extinto em 1990;
- Em 1953, a Petrobras, no aniversário da Revolução de 1930, 3 de outubro, pela citada lei nº 2.004;
- Em 29 de dezembro de 1953, a lei nº 2 145, criou a CACEX, Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil;
- Em 11 de janeiro de 1954, foi criado o seguro agrário, pela lei nº 2 168, não revogada até hoje.
- Getúlio sancionou a lei nº 2 252, de 1 de julho de 1954, que dispunha sobre a corrupção de menores, esta lei vigorou até 2009, revogada pela lei nº 12 015.
Por volta das sete e meia, oito horas da manhã, ouviu-se o estampido seco. Desceu o elevador, às pressas, o Coronel Dornelles, um dos oficiais de serviço na presidência. Nós subimos apressadamente para o quarto onde o presidente se achava. Os primeiros a entrar foram o General Caiado, Dona Darci, Alzira, Lutero e eu. Encontramos o presidente de pijama, como meio corpo para fora da cama, o coração ferido e dele saindo sangue aos borbotões. Alzira de um lado, eu do outro, ajeitamos o presidente no leito, procuramos estancar o sangue, sem conseguir. Ele ainda estava vivo. Havia mais pessoas no quarto quando ele lançou um olhar circunvagante e deteve os olhos na Alzira. Parou, deu a impressão de experimentar uma grande emoção. Neste momento, ele morre. Foi uma cena desoladora. Todos nós ficamos profundamente compungidos; esse desfecho não estava na nossa previsão. O presidente em momento nenhum demonstrou qualquer traço de emoção, nunca perdeu o seu autodomínio, jamais perdeu sua imperturbável dignidade, de maneira que foi um trágico desfecho, que surpreendeu a todos e nos deixou arrasados.— Tancredo Neves
Assumiu então a presidência da república, no dia 24 de agosto, o vice-presidente potiguar Café Filho, da oposição a Getúlio, que nomeou uma nova equipe de ministros e deu nova orientação ao governo.
Com grande comoção popular nas ruas, seu corpo foi levado para ser enterrado em sua terra natal. A família de Getúlio recusou-se a aceitar que um avião da FAB transportasse o corpo do político até o Rio Grande do Sul. A família de Getúlio também recusou as homenagens oficiais que o novo governo de Café Filho queria prestar ao ex-presidente falecido. Getúlio deixou duas notas de suicídio, uma manuscrita e outra datilografada, as quais receberam o nome de carta-testamento.
Uma versão manuscrita da carta-testamento, assinada no final da última reunião ministerial, somente foi divulgada ao público, em 1967, por Alzira Vargas, pela Revista O Cruzeiro, no intuito de rebater as críticas de Carlos Lacerda, que não acreditava que tal carta manuscrita existisse. Nesta carta manuscrita, Getúlio explica seu gesto:
Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.
A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se na fraqueza dos amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.
Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde...
— Getúlio Vargas
Uma versão datilografada, feita em três vias, e mais extensa desta carta-testamento, foi lida, de maneira emocionada, por João Goulart, no enterro de Getúlio em São Borja. Nesta versão datilografada é que aparece a frase "Saio da vida para entrar na história". Esta versão datilografada da carta-testamento até hoje é alvo de discussões sobre sua autenticidade. Chama muito a atenção nela, a frase em castelhano: "Se queda desamparado". Assim, tanto na vida quanto na morte, Getúlio foi motivo de polêmica. Também fez um discurso emocionado, no enterro de Getúlio, na sua cidade natal São Borja, o amigo e aliado de longa data Osvaldo Aranha que disse: "Nós, os teus amigos, continuaremos, depois da tua morte, mais fiéis do que na vida: nós queremos o que tu sempre quiseste para este País. Queremos a ordem, a paz, o amor para os brasileiros!".
Osvaldo Aranha, que tantas vezes rompera e se reconciliara com Getúlio, acrescentou: "Quando, há vinte e tantos anos, assumiste o governo deste País, o Brasil era uma terra parada, onde tudo era natural e simples; não conhecia nem o progresso, nem as leis de solidariedade entre as classes, não conhecia as grandes iniciativas, não se conhecia o Brasil. Tu entreabriste para o Brasil a consciência das coisas, a realidade dos problemas, a perspectiva dos nossos destinos".
No cinquentenário de sua morte, em 2004, os restos mortais de Getúlio foram trasladados para um monumento no centro de sua cidade natal, São Borja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário